FÁBULA DO TAEKWONDO

21/06/2012 10:27

 

 

FÁBULA DO TAEKWONDO

 

Uma vez descobriram um local único no mundo.


O local, diziam, abrigava o maior mestre de Taekwondo da humanidade. Um mestre que sabia todos os estilos, todos os movimentos, formas e filosofia da milenar arte marcial. Era o lutador e o artista em geral mais perfeito, e melhor, estava prestes a ensinar tudo o que sabia a estudantes que se mostrassem justos o suficiente.

 

Assim sendo, escolas de Taekwondo de todo o mundo mandaram um de seus alunos; o melhor que cada uma possuía, para tentar aprender o que um único homem tinha a ensinar. O lugar combinado para o encontro era espetacular. A natureza se fazia presente, em um lago, em uma fonte, em flores, em pássaros, em todas as coisas.

 

O Dojang ficava no centro, simples e firme em contraste com o homem que todos procuravam, imponente, mas de movimentos completamente suaves e um humilde e sincero sorriso no rosto.

 

Os estudantes de arte marcial foram chegando, de toda parte do mundo. E elesrealmente eram incríveis. Haviam desde espanhóis, cujo treinamento era apoiado pelo governo, até brasileiros, cujo apoio para treinamento do governo era nenhum. Campeões nacionais, continentais, mundiais. Vencedores de competições depoomses e de competições de combates em suas variadas regras.

 

Havia de tudo e de todos, mas faltava um.

 

Os artistas esperavam realmente pelo representante do Kukkiwon, sede máxima do Taekwondo, afinal, todos tinham sua própria visão de como seria o melhor entre os melhores coreanos, eternos número um do mundo. Talvez fosse o campeão do mundo, uma máquina de combate, alguém que traria tanta honra ao homem que ensinava quanto a ele que aprenderia.

 

Mas alguma coisa parecia ter saído errada. A decepção dos estudantes era visível, quando viram que o representante do Kukkiwon não era nem uma jovem revelação, nem um experiente mestre, mas um senhor de idade, que nem de dubok estava. Usava simplesmente um avental no lugar da faixa preta, e se apresentava como o faxineiro do Kukkiwon.

 

Muitos acharam que por trás daquelas roupas havia um mestre, e o respeitaram. Já o Grande Mestre que ouviram tanto falar, colocou-os em forma, no imenso jardim em frente ao Dojang. Com comandos que mexiam com os brios dos guerreiros, fez com que se preparassem para executar as técnicas de pernas da arte. Entretanto, o senhor de avental pediu para não participar, pois não conhecia o nome dos chutes, e ficou de fora observando. Alguns acharam se tratar de um gesto de humildade, outros desconfiaram, mas a maioria ainda achava que o velho era um mestre que se poupava.

 

Então, vieram os poomses. O velho homem insistiu que nada sabia.

 

A maioria continuou confusa, preferiu acreditar que era um especialista em combates, que de tão fanático, esqueceu o conteúdo do outro lado da arte marcial, como é comum a muitos estudantes.

 

Vieram técnicas de armas brancas, de quedas, quebramentos, e no entanto, realmente nada sabia, ou dizia nada saber, o velho. Quando finalmente começaram os combates e o homem não quis lutar, os estudantes se irritaram. Os ocidentais riram. Um deles desafiou:

 

- Vamos, velho, me enfrente! É impossível o Kukkiwon ter enviado alguém que não saiba lutar!

 

O velho, tentando evitar uma luta iminente, respondeu:

 

- Eu sou apenas um faxineiro; não sou um guerreiro! Realmente não sei lutar!

 

Outro estudante perguntou:

 

- Você não luta, não sabe técnicas, não sabe nada! Por que diabos o Kukkiwon te mandou aqui? O que você sabe fazer para justificar a escolha?

 

Para decepção daquele seleto grupo que esperava a resposta, o senhor disse:

 

- Eu? Eu não sei nada!...

 

Cada vez mais embasbacados, os estudantes começaram a repensar. O Kukkiwon deixava de ser o sonho que eles acreditavam.

 

O Grande Mestre então os colocou sentados, e fez perguntas cujas respostas são obrigatórias em um exame de faixas brancas, oriundas de uma apostila dada aos estudantes tempos anteriores à avaliação.

 

Eram perguntas do tipo:

 

- O que foi o Hwarangdo?

 

E em coro os estudantes respondiam, cada qual da forma como haviam aprendido e apreendido:

 

- Um grupo de guerreiros que realizou um treinamento físico e espiritual com o objetivo de unificar a Coréia! - dizia de forma geral o coro em suas diversas línguas.

 

E assim se prosseguiu. Eram dezenas de perguntas respondidas na íntegra e imediatamente por um grupo que as sabia de cor. Por fim, a última pergunta:

 

- Quais os os princípios do Taekwondo?

 

- Cortesia, Integridade, Perseverança, Auto-Controle e Espírito Indomável! - diziam com força nas palavras, os praticantes.

 

Achando que a "seletiva" havia acabado, os estudantes se surpreenderam quando o Grande Mestre perguntou:

 

- O que é integridade?

 

Um silêncio se fez. Não porque ninguém soubesse a resposta, mas simplesmente porque ninguém esperava a pergunta, afinal, isso não se encontrava em nenhuma apostila. Ora essa, pensavam os ocidentais, "integridade é integridade", "de pessoa íntegra". Um estudante foi responder, mas como guaguejava meio nervoso demais, o velho senhor ao seu lado levantou o dedo, e quando autorizado disse:

 

- Isso eu sei! Integridade quer dizer exemplar! Uma pessoa íntegra é uma pessoa justa!

 

- E cortesia? - continuou o mestre.

 

Em meio ao silêncio que aos poucos ia sendo quebrado, o velho levantou o dedo novamente, e quando autorizado, respondeu:

 

- Cortesia, isso eu tenho certeza, quer dizer reverência, respeito!

 

- Então, homem, qual a sua idéia de perseverança? - perguntou o mestre diretamente ao faxineiro.

 

- Eu acredito que uma pessoa que possui perseverança é aquela que se mantém firme diante de desafios, como esse em que todos esses rapazes estão... aliás... não seria isso?

 

- E auto-controle?

 

Um estudante pulou a frente do velho, para dizer:

 

- É o domínio do próprio corpo!

 

- Alguém discorda? - questionou o Mestre. O velho senhor novamente levantou o dedo, e quando autorizado respondeu:

 

- Professor, posso estar falando bobagem, mas eu prefiro pensar como um domínio da cabeça e das emoções! Afinal, eu estou velho, meu corpo não me obedece como antes, mas eu sei os limites dele! E se eu sei os limites do meu próprio corpo, então nada me tira da cabeça que eu tenho controle sobre ele, entende o que eu quero dizer? Bom... acho que é isso!...

 

- Agora a última pergunta: o que é preciso para se ter um... como é mesmo... "espírito indomável"?

 

Os estudantes tentaram, mas nada conseguiram dizer de consistente. A maioria tentava definir com uma palavra, mas o mestre parecia não gostar de nada que ouvia, ou considerar insuficiente. Alguns faziam Yoga, treinavam embaixo de cachoeiras, controlavam sua energia chi, sentiam o tal 'espírito indomável', mas não sabiam definir por quê. Foi quando por último o velho faxineiro disse:

 

- Professor, eu não sou o melhor pra falar disso, pois eu nem entendo de Taekwondo, e nem sei por que me mandaram aqui! Mas observando o que vocês estavam dizendo, eu acredito que deve-se chegar a esse quinto princípio pelos outros! Desde pequeno eu aprendi a primeiro aprender a andar antes de correr e... bom, provavelmente uma pessoa que tem respeito pelos outros, se faz como exemplo de justiça, não desiste de seu objetivo e possui um domínio de sua própria mente, e assim do seu corpo, bom... essa pessoa com certeza deve ter esse 'espírito indomável' pois isso não é lá muito fácil!...

 

O Grande Mestre então abriu as portas de seu Dojang, e disse em alto e bom tom, para um seleto grupo de pessoas que se fazia surpresa:

 

- Entre, meu bom senhor! De todos, você é o mais apto a receber o que eu tenho a oferecer, pois és um igual a mim; compreende o que eu compreendo! E dentre todos aqui, é o único que nada sabe, e sabe que nada sabe, e por isso está em condições iguais a mim de apreender o que quer que seja que eu tenha a oferecer!

 

Autor desconhecido.